quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Três vilancetes meus: (I) No desconcerto do mundo; (II) Vejo-a n'alma pintada (Rimas - Camões); e (III) Têmis responde à dúvida do bardo

Tendo postado anteriormente sobre vilancetes e mostrado três vilancetes camonianos e um vilancete meu, postarei agora três vilancetes meus [todos são em redondilha maior (7 sílabas poéticas)]:

O bardo pede à Têmis, deusa da justiça, que dê ao mundo aquilo que ela representa. A Temperança é a única virtude que ainda existe no desconcerto do mundo, mas só ela não basta para pôr fim às injustiças, e para isso a Justiça deve intervir.
a este moto meu:
No desconcerto do mundo
resta ainda uma esperança
que não é a Temperança

Voltas
Perdi a minha certeza
por conselho da Mentira
que, tirando a minha lira,
perdia o mundo a beleza.
Amor só traz mais tristeza.
E assim, cantando a mudança,
mo fugia a Temperança.

Foi-A entregue a minha sorte,
para todo o meu espanto,
pois de tom mudava o canto,
sem que a Virtude conforte.
Vem a Esperança co a Morte,
desce ao mundo uma esperança:
Têmis, vinga a Temperança!

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a este moto retirado das Rimas de Camões: (este mote foi retirado das Rimas da Luís de Camões, mas as voltas são minhas, de minha interpretação do mote)
Vejo-a n'alma pintada
quando ma pede o desejo
o natural que não vejo.

Voltas
O gozo chega em boa hora
e penso-a como pura,
retenho-a em formosura;
ó, como infeliz eu fora!
Foste delicada outrora,
e eu me guiei no desejo
daquilo que há anos nem vejo.

Não tive a tua firmeza,
mas sei que por mim choraste.
Assim, meus anos calaste.
De ti partiu a pureza,
e em nós teve o que despreza:
em mim, o mesmo desejo
e na escuridão me vejo.

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a este moto meu: O bardo pede à deusa Têmis que lhe responda:
"Vives pesando argumentos,
pesa este mais na balança:
'enquanto há vida, há 'sperança.'"

Volta: resposta da deusa Têmis:
"Este verso tem a estima
de que esperança é ter vida:
que será dela partida,
se a vida assim se não rima?
Pois a esperança é que anima:
sem ela não há mudança.
Digo, pois, 'se há vida, há esp'rança!'"

sábado, 15 de outubro de 2011

Johann Wolfgang Goethe em um poema: Elegia de Marienbad

Goethe, quando em idade já avançada, era conhecido como "o sábio de Weimar".

Johann Wolfgang Goethe foi um poeta, dramaturgo e novelista - o maior nome da literatura alemã, diga-se de passagem, e em todos os gêneros literários - pelo menos no que concerne o entendimento por "gênero literário" atualmente [lírico, dramático e narrativo], onde o épico foi substituído pelo narrativo. Goethe, e é importante salientar, excursionou também pelos campos das ciências naturais {trabalhou com mineralogia e geologia [principalmente nos tempos em que era administrador de Weimar (Goethe, mesmo, chegou a ter coletado cerca de 17.800 amostras de rochas)], botânica [e aqui, em botânica, realizou um dos seus grandes triunfos, ainda que em uma perspectiva metafísica, e não biológica: antecipou a teoria da evolução de Darwin e Wallace, mas numa explicação bastante teleológica e perfeccionista, a qual veremos a seguir], anatomia comparada [foi um dos primeiros - da Idade Moderna - a descobrir o osso intermaxilar no crânio do ser humano] e teoria das cores [sua teoria das cores contrasta com a teoria newtoniana - e não se sabe o motivo, mas Goethe odiava Newton: eu arrisco dizer que talvez fosse pela visão que Newton ajudou a estabelecer do universo, uma concepção mecanicista, diferentemente da visão de Goethe, que entendia o universo como algo orgânico]}. Se formou em direito, mas não seguiu carreira de advogado, ainda que, aos 50 anos de idade, tenha podido demonstrar seu potencial retórico - afinal, Goethe era um homem letrado, que conhecia, pelo que me consta, algo em torno de 50.000 a 90.000 léxicos da língua alemã, e, (por Deus!), sabia usar as palavras como poucos. Goethe também tentou seguir carreira como artista plástico, quando adotou pseudônimos e viajou para a Itália, onde viveu seus momentos mais felizes e definitivamente rompeu com o romantismo, adotando uma estética de influências clássicas. Por esse período, Goethe esteve a se aprofundar em desenho, pintura e escultura, além de ter contemplado as belas villas palladianas em Vêneto. Por fim, Goethe percebeu que "parecia ter nascido para ser poeta".
Goethe em sua viagem à Itália, retratado por seu amigo Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, no ano de 1787/88

Em A Metamorfose das Plantas, Goethe criou uma teoria para explicar algo que ele via como sendo evidente: a evolução - pois as coisas mudam, transformam-se e movimentam-se (como ele dirá em um dos versos da Elegia de Marienbad: Formas não vêm e vão perenemente / No arquear da grandeza transcendente?). Sua explicação, numa perspectiva metafísica (platônica) que, dado os rumos da ciência, hoje é desacreditada, era a de que existia uma "planta arquetípica", uma espécie de entidade espiritual, inteligível, e mesmo ideal, e que não poderia ser encontrada em lugar algum do mundo. Ela manifestaria-se em cada planta. Aqui, para quem leu o Livro VII d'A República, de Platão, ou a Sexta enéada, de Plotino, é forçoso pensar que Goethe teria de lá bebido. Este arquétipo das plantas Goethe chamou de Urpflanze [Pflanze, em alemão, é Planta; e Ur, em alemão, é um prefixo que significa "primordial", ou seja, "algo que antecede" (lembre-se do Ur-Hamlet, ou Urfaust)] e, na evolução das plantas, todas estariam tentando alcançar o seu arquétipo: a Urpflanze, a planta que se encontra dentro de cada outra planta (daí o "arquear da grandeza transcendente", verso da Elegia). Aqui é notável como a ciência goethiana dava principal atenção ao aspecto qualitativo das coisas, e aí reside uma grande distanciação das ciências naturais feita da modernidade em diante - com todos os seus méritos - da ciência feita por Aristóteles e os modernos que tentaram excursionar nas ciências sem muito sucesso.

Aos 72 anos, Goethe apaixonou-se por uma jovem de 17, Ulrike von Levetzow. Os dois namoraram e foram necessários dois anos para pedi-la em casamento (tendo, provavelmente, sido o grão-duque Karl August von Saxe-Weimar-Eisenach, quem teria feito o pedido - era o soberano e protetor de Goethe), e a resposta foi, em um momento, desconcertante para o poeta: não, Ulrike não queria se casar com ele. Goethe, que encontrava-se num pequeno balneário chamado Marienbad (daí o nome da supracitada Elegia), passou, então, a desenvolver o poema que aqui será apresentado.

Goethe, seguindo seu imperativo de que o mundo é "metamorfose e mudança"[¹], um "renascimento perpétuo"[²], não saiu da situação como "um personagem ridículo", pois o homem letrado sabia viver como poucos.

Sobre a Elegia.
Leonardo Fróes, o homem de quem me usarei da tradução da Elegia do alemão para o português, fez um incrível trabalho ao traduzir os três poemas que compõem a obra Trilogia da Paixão. Mas é a Elegia de Marienbad, indiscutivelmente, o melhor entre os três poemas que a compõem.

Escandindo a Elegia, percebi que as tônicas eram em geral na sexta, na oitava, e claro, na décima sílaba. Por vezes na sexta, e na oitava não, ora o contrário, ou seja: a métrica adotada por Leonardo Fróes foi o decassílabo heróico e sáfico. Provavelmente, penso eu, uma alternação entre ambos, já que os versos elegíacos foram, desde os antigos gregos e romanos, até a época de Goethe, escritos em alternação de hexâmetros e pentâmetros dáctilos (dístico elegíaco), e que, na língua portuguesa poderia ser representado por alternações entre decassílabos heróicos e sáficos. O ritmo da tradução de Fróes também, pelo menos na maioria das vezes, parece-me constar de pés iâmbicos: uma sílaba átona, ao que se segue uma sílaba tônica, p. ex. "Adeus, ó vidas! No umbral dos Céus". Perceba que há, no entanto, um porém no que digo: em geral, e quem souber escandir poemas perceberá, ele usa tônicas na quarta, sexta, oitava e décima sílabas poéticas. O exemplo que eu dei é um raro caso nas primeiras três estrofes em que não há tônica na sexta, e há na segunda. Mas seria, realmente, necessário escandir a fundo o poema, coisa que eu não fiz, pois não escandi o poema integralmente, apenas alguns versos.

Há de se atentar no início da última estrofe da Elegia de Marienbad: "Perdendo o Todo, eu mesmo, que era outrora / Favorito dos deuses, (...)". É que - se não me engano, pois tudo o que eu falo aqui é por recordação das minhas leituras - em sua autobiografia (a tradução do título não é bem certa por causa de uma palavrinha em alemão que pode significar outras coisas no português, mas é algo como Poesia e Verdade), Goethe fala explicitamente que ele nasceu como sendo o favorito dos deuses, e em uma conversa - epistolar - com Lord Byron, Goethe parece afirmar, novamente, que ele e Byron eram ambos os favoritos dos tais celícolas.

E antes que eu me esqueça, o poema é constituído por 23 estrofes de seis versos, totalizando 138 versos, de esquema rimático (ABABCC), quase uma ottava rima.

[¹] e [²] foram expressões retiradas do ensaio de Leonardo Fróes sobre a vida e obra de Goethe, ensaio que se segue após a obra Trilogia da Paixão do próprio Goethe.

Elegia de Marienbad

Que ora devo esperar de algum rever,
Da flor ainda fechada deste dia?
Com Paraíso e Inferno a te envolver,
Na indecisão tua alma se angustia! -
Adeus, ó dúvidas! No umbral dos Céus
Ela te leva a alçar nos braços seus.

No Paraíso então foste acolhido,
Como se jus fazendo à vida eterna;
Finda a esperança, e o desejo contido,
Cá estava pois a meta mais interna,
E ao contemplar da singular beleza
Secava a fonte ansiosa da tristeza.

Quão ligeiro o bater de asas do dia,
Parecendo os minutos a empurrar!
Fiel selar da noite, um beijo iria
No sol vindouro assim querer ficar.
As horas transcorriam tão normais
E meigas como irmãs, mas nunca iguais.

Esse beijo final, cruel doçura,
Uma trama de afetos desfazia.
O andar se esquiva da soleira escura,
Donde um anjo flamante o repelia.
O olhar se volta, percorrendo a estrada,
Porém frustrou-se: a porta está fechada.

Teu próprio coração se fecha então,
Qual nunca aberto houvesse estado à hora
Bendita junto dela, qual se não
Competisse em fulgor com o céu outrora.
E a atmosfera se enche de aflição,
Desânimo, remorso, repreensão.

Não te resta ainda o mundo? Tais rochedos
Coroados não estão de sombras santas?
Não maduram as safras? Com arvoredos
Entre prados e o rio não te encantas?
Formas não vêm e vão perenemente
No arquear da grandeza transcendente?

No azul celeste, como um serafim
Que a lembra na esbeltez, uma figura
Paira mimosa e vaporosa e assim
Das nuvens sai, ganhando mais altura:
Ei-la a reinar em dança prazenteira,
Das imagens amadas a primeira.

Que não ouses porém mais de um segundo
A aérea estampa em seu lugar reter;
Torna ao teu coração! Lá, nesse mundo
Das formas em mudança, a podes ver:
Lá ela em muitas é constituída,
Mil vezes outra e sempre mais querida.

Como por mim à porta ela aguardava
E felizardo aos poucos me fazia,
Após o último beijo me alcançava
E ainda mais um nos lábios imprimia,
Assim, movente e clara, a efígie amada
No coração a fogo está gravada.

No coração que, qual muralha estável,
Já por lhe dar guarida se sustenta,
Que se alegra por ela ao ser durável
E só sabe de si se a representa,
Que mais livre se sente ao ser contido
E bate mais, por tudo agradecido.

Como o poder de amar se torna extinto,
A carência de amor também sumiu.
Mas pronto a decidir e agir me sinto,
Uma nova esperança me acudiu!
Amor, se inspira sempre aos amorosos,
Deu-me um fervor dos mais deliciosos;

E o fez através dela! – Inquietudes
Maçantes me oprimiam corpo e mente:
Circundavam-me o olhar as cenas rudes
De um coração deserto e descontente;
Mas agora a esperança a porta invade,
Quando ela mesma assoma à claridade.

À paz de Deus, que – lemos – cá na Terra
Vos torna mais do que a razão felizes,
Comparo eu a paz do Amor, que encerra
Na presença da amada o fim das crises.
A alma se aquieta então e não há freio
À sensação de pertencer-lhe em cheio.

Em nosso peito brota a aspiração
De ao mais alto e mais puro e ignorado
Dar-se espontâneo, só por gratidão,
A decifrar o eterno Inominado.
Em face dela, assim piedoso, vi-me
Participar de altura tão sublime.

A um seu olhar, como ao vigor solar,
E a um sopro seu, como aos da primavera,
Derrete-se o egoísmo a degelar
Toda a crosta invernal em que estivera;
Finda o interesse, acaba a teimosia,
Quando ela chega e os põe em letargia.

E como se dissesse: “De hora em hora
A vida se oferece amigamente.
Do passado o registro é incerto agora,
Do amanhã é vedado estar ciente.
E se com a noite eu já me amedrontei,
Com o pôr do sol, que brilha, me alegrei.

Faça pois como eu: sensato e rindo,
Olhe bem o momento! Sem tardança!
Com a simpatia o tome por bem-vindo,
Quer em hora de ação, quer em festança.
Ponha-se inteiro e puro onde estiver,
Para tudo e invencível você ser.”

Bem dito isso, achei: se um deus lhe deu
Do momento essa graça tão presente,
Quem acaso ao amável lado seu
Um eleito da sorte não se sente?
Mas eu, mandado embora, o que faria,
Já sem você, de tal sabedoria?

Ora estou muito longe! E o que convém
Ao minuto atual não sei dizer;
O bom e o belo que dele me advêm
São apenas um fardo a rebater.
Ante a bruta saudade me impelindo,
Só me resta um remédio, o choro infindo.

Choro que jorra e flui mas não tem jeito
De em meu íntimo a flama arrefecer!
Que violento me invade e rasga o peito
Onde a morte e o amor vêm combater.
Se a dor do corpo uma erva faz sumir,
Falha a mente em querer, em decidir,

Em aceitar a ideia de a não ter.
Mil vezes vê-se a repetir-lhe a imagem
Que ou se agasta ou não para de tremer,
Ora radiante, ora indistinta aragem.
Como dessa maré, desse ir e vir,
Um consolo qualquer ainda extrair?

*

Amigos fiéis, deixai-me aqui a sós,
Em meio às fragas, entre musgo e lodo!
Tomai um rumo! O mundo se abre a vós,
A terra é vasta, o céu, sublime todo;
Sondai, juntai as partes com critério,
Sempre a estudar o natural mistério.

Perdendo o Todo, eu mesmo, que era outrora
Favorito dos deuses, me perdi.
A me provar mandaram-me Pandora,
Que mais riscos que bens trazia em si;
À boca dadivosa eles me alçaram
E, ao separar-me dela, me arrasaram.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Sobre o nome do blog: Teopus

O termo escolhido para nomear este blog, "teopus", é um hibridismo entre "θεός", do grego, "deus", e "opus", do latim, "obra". O motivo desse nome se deve à minha simpatia, estável desde 2010, pelo panteísmo. Vejamos: costumamos pensar em Deus e mundo como coisas distintas: um é o Criador, o outro é a criatura. O panteísmo, ao contrário, é a visão de que Deus e realidade são a mesma coisa. Deste modo, criei a expressão "teopus" com o intuito de traduzir a visão panteísta: Deus e mundo, apesar de serem comumente associados como duas coisas distintas—daí o hibridismo—, seriam, na verdade, a mesma coisa—daí a união entre os termos θεός + opus.

Não se deve confundir, por óbvio, a criação de uma palavra que expressa uma visão de mundo panteísta com um argumento em favor do panteísmo. Não se trata de um argumento, mas tão somente de traduzir, em uma palavra, uma visão pela qual tenho profunda simpatia.